Walk Unafraid
- Leãozinho
- 22 de abr. de 2018
- 9 min de leitura
Atualizado: 8 de nov. de 2018
Contextualizando: Sábado à noite resolvi me dar um momento de lazer antes de ir dormir: assistir um filme, sozinha, na madrugada.
Procurando uma categoria que me chamasse atenção e que fosse um filme que me fizesse refletir, que realmente acrescentasse algo na minha vida me lembrei de que há alguns dias tinha pesquisado no Google: “filmes sobre autoconhecimento” em que achei um site que sugeria uma lista. Nesta lista, um filme em especial me chamou atenção: Wild, Diretor: Jean-Marc Vallée (2014). Apesar de estar receosa de iniciar o filme e ele ser ruim - fico muito chateada quando isso acontece - me arrisquei.
Este post será REPLETO de SPOILERS, o ideal é primeiro você assisti-lo e depois voltar aqui para continuar esta leitura. Então vamos lá!
O filme é sobre uma mulher, Cheryl Strayed (Reese Witherspoon), que decide fazer uma trilha de 4.000 km sozinha no Pacific Crest Trail (PCT), localizada nos Estados Unidos (https://en.wikipedia.org/wiki/Pacific_Crest_Trail). Eu como boa bióloga esperava um filme voltado para uma temática do tipo: maravilhas naturais de PCT, e/ou, sobre mulheres fortes em campo. Superficialmente, se você assistir o filme sem nenhuma sensibilidade será realmente apenas isso. Mas, obviamente a trilha que ela faz é muito mais do que física, é psíquica, é íntima.
Se você analisar o filme pensando que tudo é uma mensagem figurada você percebe que a trilha representa um enfrentamento com você. Um momento de solitude. Um processo de psicanálise. Além disso, retrata as fases que enfrentamos em um momento de LUTO. Seja ele por alguém que realmente morreu, como no caso, a morte da mãe da Cheryl. Ou o LUTO que vivemos quando alguém não faz mais parte da nossa vida, no caso da personagem, representado pelo divórcio que ela vivenciava.
E foi ao perceber isso que notei que o filme tem tudo a ver com o proposto pelo livro Mulheres que correm com os lobos. Ao final do primeiro capítulo do livro ela escreve: “Está querendo ajuda psicanalítica? Vá recolher ossos”. E a personagem principal, Cheryl, está basicamente neste processo de recolhimento de ossos ao fazer a trilha PCT. Além disso, não acredito que seja por acaso o filme se chamar Wild e ter uma mulher como foco; e a autora do livro propor justamente uma reconexão nossa (nós mulheres) com nosso arquétipo que ela denomina: Mulher Selvagem.
Acredito que justamente pelo filme representar estes dois processos e se conectar com a proposta do livro que me tocou profundamente. Hoje vivo estas situações em minha vida.
Filmes, livros e músicas são maneiras do ser humano expressar seus sentimentos e emoções. Arte é a maneira do ser humano expressar seus sentimentos e emoções.
Tudo dito acima representam os motivos da minha decisão do 1º post do Blog ser retratado a partir deste livro, deste filme e das músicas maravilhosas que são trilha sonora de Wild.
Estou unindo tudo que amo com toda a mensagem que preciso.
Daria pra comentar cada cena do filme, mas vou fazer um apanhado geral do que foi mais marcante pra mim.
Antes de iniciar a trilha, a cena em que ela está no hotel fazendo check-in e que reafirma para recepcionista que estará sozinha à noite.
Este momento mostra o quanto pessoas desacreditam ou acham estranho você decidir viver e se aventurar sozinha.
Um segundo momento no hotel, quando ela está organizando a mochila dela e faz muito esforço para colocar tudo aquilo nas costas.
A mochila é o que trazemos nas costas e achamos que são essenciais para nossa sobrevivência. Só que, a maioria das vezes o que carregamos e dizemos ser essencial tem um peso grande, difícil de erguer.
Início da trilha ela fica constantemente em dúvida entre continuar e voltar.
O início da trilha é quando você começa a seguir em direção a se reencontrar, voltar o olhar para dentro de si, estar sozinha: solitude. Você se pergunta frequentemente se quer mesmo ir ou se quer voltar. Consigo correlacionar também a uma fase do meu relacionamento em que eu me via no início da trilha, olhava pra trás e pensava se queria ou não continuar, por fim, seguia enfrente.
A primeira noite acampando Cheryl sentiu medo.
Antes de tomar uma decisão de por um fim no relacionamento e, também, de dar início a um ciclo de reencontro consigo, voltando suas atenções para si mesmo, este é o primeiro sentimento que pode ser uma barreira: o medo.
Caminhando os primeiros 500 km ela inicia o processo e começa a sentir sozinha, saudade dos amigos, vontade conversar com alguém, retornam muitas memórias dos seus erros e dos momentos dolorosos que ainda a machucam muito. Ela começou a se encontrar com outras pessoas que estavam na trilha também, com pessoas que não estavam e que a ajudaram. Ela passou fome. Os desafios então começaram a ter um peso maior.
Logo que terminei meu relacionamento comecei a sentir saudade dos amigos, comecei a deixar os meus erros virem, sentir os momentos dolorosos que aconteceram e, claro, como fazia muito tempo que não vivia sem uma companhia: senti solidão. Durante esta etapa em que decidi estar sozinha os sentimentos são inconstantes, mas, oscilam dentro destes mesmos aspectos citados. Iniciei um reencontro comigo mesma. E durante essa fase inicial a vida me trouxe desafios, novidades, pessoas que não esperava encontrar pelo caminho algumas tentavam fazer a mesma caminhada que eu, outras ficavam admiradas porque não tiveram a mesma coragem. Este é o despertar da coragem para quando surgem os desafios, as memórias difíceis, os medos.
Cheryl faz a primeira parada. Ela já caminhou muitos quilômetros, mais do que imaginava que conseguiria, é recebida com aplausos por outros que fazia a trilha e eram mais experientes. Ninguém acreditava na sua coragem e a persistência de trilhar por um caminho tão difícil, considerado para poucos.
Esse momento pra mim foi quando as pessoas a minha volta não acreditavam que eu teria coragem de enfrentar meus erros, ficar sozinha, refletir. Além disso, foi quando eu recém-formada abri mão de um mestrado com bolsa em uma instituição reconhecida mundialmente, com ótimas perspectivas profissionais e escolhi um lugar que eu não tinha passado, não tinha bolsa, não conhecia ninguém, as perspectivas profissionais eram boas mas bem incertas. Foi quando em uma semana organizei uma mudança de cidade e fui sozinha, de ônibus, sem lugar pra morar, sem ninguém pra me receber, sem nenhum amigo pra me hospedar, sem ter a certeza que iria dar certo. Em uma semana organizei uma mudança para uma cidade que não conhecia, sem nenhum amigo, sem dinheiro, sem certezas profissionais. A única certeza que eu tinha era o que meu coração dizia: lá é seu lugar, vá! E chegando à cidade, alguns perguntavam pela minha história e ao contar brevemente fui recebida com “aplausos”, como quando Cheryl foi recebida quando chegou à primeira parada.
Lá ela conheceu um senhor que não fazia as trilhas, mas que sempre ia pra esse ponto de apoio para conhecer aqueles que estavam fazendo a caminhada. Como todos ficaram surpresos com o tamanho da mochila dela, o senhor a ajudou abrir a mochila e retirando os itens para selecionar tudo aquilo que ela carregava sem necessidade e, então, jogar fora.
Está é a fase em que me encontro. Depois caminhar alguns quilômetros não estou nem na metade do caminho. Só que, algumas dores já não doem tanto, eu tenho mais coragem, estou me sentindo forte e capaz. Já analisei vários erros e agora é hora de deixar alguns deles para trás, tudo aquilo que carrego nas costas, as emoções, as memórias, os objetos, tudo que não vale a pena levar daqui pra frente. É hora de aliviar o peso da mochila.
Cheryl continua a trilha, agora em um deserto escaldante com pouca água até ficar sem nenhuma água. Ela acha que vai morrer. Então vêm as lembranças mais doloridas, ela entra no núcleo da dor real e deixar vir aquilo que realmente a machucava, real motivo dela ter escolhido fazer a trilha. Ela sente medo, como na cena em que encontra dois caçadores e eles tem um comportamento ameaçador. O coração estremece, sente que vai dar tudo errado, se sente ameaçada. Mas ela divide a pouca água que ela tem com aqueles que a ameaçam, conversa com eles, mas não permite que a dominem. Tira forças de onde não imaginava que tinha e continua a caminhada. Não se deixa dominar pela ameaça.
Ela se lembra de uma cena na cozinha em que a mãe dela dizia:
- Você tem que achar o melhor de si mesma. Quando achar segure com todas as forças. Não é fácil, mas vale a pena. Haverá dias piores do que esse. Pode deixar que matem você ou, pode dizer, eu quero viver.
Ela chega a segunda parada e se encontra com outra mulher que decidiu fazer a mesma trilha. Diante de um pôr-do-sol elas conversam:
– Sente solidão? - A moça pergunta a Cheryl.
– Honestamente, me sinto mais sozinha na vida real do que aqui. Sinto falta dos amigos, mas ninguém me espera em casa. E você, porque está aqui?
-Eu não sei. Só preciso achar algo em mim mesma. Acho que a trilha serve para isso. Olhe só! – ela se refere ao pôr-do-sol e a paisagem - Isso pode preencher você de novo se você deixar.
– Minha mãe dizia algo que me enlouquecia: há um nascer e um pôr-do-sol todos os dias e você pode escolher estar lá para ver. Você pode trilhar o caminho da beleza. – Cheryl.
GEEEEENTE!!!! VOCÊS CONSEGUEM SENTIR A PROFUNDIDADE DESSE DIÁLOGO?
Sério, meu coração chega a não caber no peito.
Qual a verdadeira solidão? É aquela que está dentro da gente, que depende da nossa conexão consigo.
Há diversos motivos para se escolher entrar nesse processo. Alguns querem enfrentar traumas, dores, outros estão em busca de si mesmo. Isso pode acontecer mutuamente. E se você escolher caminhar pela trilha, ela pode te preencher novamente se deixarmos.
Basicamente a última frase me diz que é tudo uma questão de escolha. Todos os dias pode-se escolher caminhar pela trilha, ver o pôr-do-sol, depende apenas de nós mesmos.
Continuando a trilha ela então se encontra com a criança e uma avó. Eles caminham pela floresta porque a criança necessita por motivos íntimos que não se pode dizer para estranhos.
Essa cena me diz duas coisas: não há idade para fazer a trilha. E que, nem todos que se encontra pelo caminho precisam saber o porquê você a está fazendo. É seu íntimo. Não é preciso justificar-se aos outros.
A criança canta uma música para Cheryl quando descobre que sua mãe tinha morrido.
Este é o clímax da trilha: você já caminhou muito, já deixou toda dor vir e então você “canta sob os ossos”, como proposto pelo livro o qual comentei.
Então, o filme faz um monólogo extremamente profundo:
Sinto sua falta.
Não há como saber o que faz algo acontecer e não outra coisa. O que leva o quê. O que destrói o quê.
Ou faz com que algo floresça. Ou Morra. Ou tome outro rumo.
E se eu me perdoar? E se me arrepender?
Mas se eu pudesse voltar no tempo, eu não faria nada diferente.
E se eu quis cometer todos aqueles erros? E se aqueles erros me ensinaram algo?
E se tudo o que eu fiz, foi o que me trouxe até aqui?
E se eu nunca me redimisse? E se eu já estiver redimida?
We are never prepered for what we expect – James michener
Demorei anos para ser a mulher que minha mãe me criou para ser.
Depois de me perder na selva da minha dor, achei meu caminho para fora da mata.
Eu nem sabia aonde estava indo até chegar no último dia da trilha.
Um trecho que diz muito sobre o fato de que nunca saberemos o porquê das coisas acontecerem, das pessoas irem embora, das dificuldades aparecerem na vida. Não tem como saber o motivo.
Sobre se auto-perdoar.
Sobre a dor que carregamos que diz muito de nós mesmos, das culpas que trazemos. Enquanto lutamos contra os erros eles vão nos assombrar. Mas, quando acolhemos e entendemos que eles fizeram parte do processo, que há uma lição a ser aprendida com nossos erros. Então, vamos ao invés de lutar contra, vamos abraçá-los e agradecer por terem existido.
E só quando você percebe e acolhe tudo isso, só aí você chega ao final da trilha.
O final da trilha para Cheryl é uma ponte.
Não é por acaso ser justamente a figura de uma ponte. Uma ponte representa travessia. Cheryl ter chegado nela significa que está pronta para atravessar. Pronta para deixar para trás tudo, para seguir enfrente, finalizar essa fase e iniciar uma nova.
Obrigada, eu agradeci várias vezes. Por tudo que a trilha me ensinou e tudo que eu não sabia na época.
Minha vida, como toda vida era misteriosa, irrevogável e sagrada.
Tão perto. Tão presente. Tão pertencente a mim.
Como me senti livre deixando que seguisse seu rumo.
Quando deixamos a vida seguir seu caminho e não fugimos de nossas dores e dificuldades. Em relação a nós mesmos, em relação aos outros, iremos experimentar o que tanto queremos: a liberdade.
A sensação de pertencer a si mesmo. O encontro com quem você realmente é.
Comentários